Separados dos pais que estavam isolados em leprosários, filhos buscam indenização na Justiça

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A amazonense Valdenora Cruz foi diagnosticada com hanseníase aos 8 anos, nos anos de 1970. No dia seguinte, foi enviada ao Hospital Colônia Antônio Aleixo, em Manaus, um leprosário onde viviam isolados compulsoriamente os pacientes da doença. Igual aos demais internos, Valdenora era obrigada a trabalhar na colônia. “Comecei limpando, fazendo serviços gerais, varrendo rua”.

Quando fez 14 anos, a menina foi treinada pelas freiras do hospital da colônia a fazer partos. Aos 15, já conduzia os procedimentos sozinha. “As freiras me orientavam a arrumar o bebê assim que ele nascesse e a entregá-lo para os carros, que estavam esperando na porta da Colônia”, lembra. “Os carros” eram veículos com representantes do Estado, que buscavam os recém-nascidos e os levavam para orfanatos e educandários.

“As mães sequer podiam ver os filhos”, afirma Valdenora. “Foi um crime o que o Estado brasileiro cometeu contra essas pessoas. Tem que ser reparado”.

Desde 2017, o Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) move na Justiça uma Ação Civil Pública contra o Estado. O Morhan pede que o governo reconheça a responsabilidade na alienação dessas famílias e no isolamento compulsório dos pacientes, além de uma indenização aos filhos separados ainda vivos.

Este ano, depois de a juíza que cuida do caso tentar extinguir a ação exigindo que todos os filhos separados no país assinassem uma autorização, o Ministério Público Federal (MPF) emitiu um parecer pedindo o andamento do processo.

“Demos um parecer favorável ao andamento da ação porque entendemos que a Lei 610 provocou uma grave violação de direitos humanos ao separar os filhos, causando danos irreparáveis”, afirmou a procuradora Fernanda Domingos, durante uma audiência pública com os filhos separados realizada no dia 13, em São Paulo.

A Lei 610, outorgada em 1949, regulamentou a política pública que permitia o Estado isolar compulsoriamente os pacientes de hanseníase em estabelecimentos afastados das cidade, conhecidos como leprosários, e mandar aos orfanatos os filhos que nascessem nesses locais.

“O Estado brasileiro não supervisionou a condição dessas crianças [separadas dos pais], que ficaram sem amparo e sofreram outras violações nos estabelecimentos que tinham o dever de ampará-las”, completa Domingos.

O único dado sobre os filhos separados pela antiga política de combate à hanseníase é da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. O órgão estima que 40 mil bebês tenham nascido nos 40 leprosários que existiram até 1986, ano em que esses estabelecimentos foram extintos.

Segundo o advogado do Movimento, Pedro Pulzatto Peruzzo, “não existe nenhum dado consolidado [sobre filhos separados em razão da hanseníase]”. Por isso, não há como a Justiça exigir que se nomeie os atingidos quando nem mesmo o Estado sabe quantas pessoas foram afetadas.

O Movimento defende que a política de combate à hanseníase do século 20 foi um dos maiores casos de alienação parental ocorrido no Brasil com o aval do Estado.

G1
10:40:32

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