Patrícia Lopes de Oliveira escreve…

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História
A NOITE MAIS LONGA DA MINHA VIDA


Meu pai faleceu no dia 20 de dezembro. Ele tinha 39 anos e parecia estar muito saudável. Era muito inteligente e tinha um sorriso lindo, aberto e um coração imenso. Tinha tantos planos ainda!

Eu tinha 6 anos apenas. Estava no hospital com minha mãe e meu irmão mais velho. Ele faria uma cirurgia por causa de problemas renais. Lembro que ele se recusou ir de cadeira de rodas para o centro cirúrgico. E disse para minha mãe: Parece que não está doendo mais.

Ele teve medo! Mas, depois falou que estava doendo sim. E a última coisa que ele disse quando estava indo, foi: Dê remédio de tosse para Patrícia. Quando olhei para minha mãe, os seus olhos estavam cheio de lágrimas. Cheio de medo! Hoje penso que ela pressentiu.

Fomos para recepção do hospital. Dali a pouco chamaram o meu irmão, que tinha 21 anos na época. Vestiram um jaleco nele e o levaram para dentro do centro cirúrgico. E ele saiu de lá desmaiado. Minha mãe temendo alguma coisa se desesperou. Chorava muito e pedia pra ver o médico. Vieram alguns enfermeiros e deram uma medicação para ela. O meu irmão e ela dormiram.

E sentada próxima a cama de minha mãe, ouvi quando o médico disse que meu pai havia falecido. Ele nem se importou que eu estava alí. Uma criança tão pequena não iria entender, deve ter pensado isso. Claro que entendi! Só não tinha noção da dimensão daquilo. Vi quando o quarto se encheu de gente. E acordaram a minha mãe para dizer que meu pai havia falecido. Minha mãe tinha 36 anos e cinco filhos. Ela levou um susto. Ela sempre se assustava ao acordar. E chorou imensamente.

Depois, ela pediu para ver o médico. Ele havia dito a ela que era uma cirurgia simples e que em um milhão morria um. Então, ela se aproximou dele, segurando a minha mão. E disse que ele não deveria ter levado meu irmão para ver nada. E completou: O senhor nunca mais vai se esquecer, que na véspera do Natal, deixou cinco crianças órfãs. O olhar mais duro que já vi na minha vida.

Depois, o que me lembro é que vim de Presidente Prudente com uns tios da minha prima. Quando cheguei em casa tinha muita gente. Minha vó chorando muito. Ninguém entendendo nada direito. Eu não quis ficar ali. E me levaram para a casa dos meus tios. Vesti um pijama bem grande e passei a noite ouvindo que meu pai tinha ido viajar, que logo estaria em casa.

A noite mais longa da minha vida.

Eu sabia que ele havia falecido. Pela manhã, a minha tia me chamou e disse que meu pai estava com o papai do céu. Meu irmão mais velho reuniu os quatro irmãos e disse: Não chorem perto da minha mãe. Como se isso fosse possível. Quando chegamos no velório, que aconteceu no prédio da prefeitura, as pessoas nos olhavam com dó. E aí vi minha mãe chorando. Corri para abraça-la e ela me abraçou apertado e me disse: Vai ficar tudo bem Pati.

Aquele 20 de dezembro mudaria as nossas vidas para sempre, de diversos modos. Minha mãe teria que trabalhar muito para nos sustentar. Quase não a víamos. Não recebemos o valor correto do salário dele. O que foi uma coisa extremamente ruim. Na missa de sétimo dia era o meu aniversário. Nunca vou me esquecer disso tudo.

Minha mãe era apaixonada pelo meu pai. Sofreu muito!

Às lembranças também doem. Mas, às vezes é preciso revive-las, para que tenhamos noção da nossa força. Que tivemos muitas dores, muitas perdas, adversidades e superamos.

Nunca mais comemoramos Natal com alegria. Minha mãe deixava a festa para o ano novo. Em dezembro de 2020 a Covid levou meu irmão no dia 29. Como comemorar o ano novo?
Seguimos em frente porque não há o que fazer.

Dezembro, pra mim é muito difícil. Mas, por todos que amamos ainda sobra força para se ter esperança. Por isso, eu conto a história para reverenciá-los com todo o meu amor. Foram dias difíceis… Mas, sobrevivemos!

Tenho 3 lembranças apenas de meu pai. O que sei dele é o que a minha mãe nos contou. E o que as pessoas nos contaram. Dizem que ele foi um homem bom. E minha mãe foi pai e mãe até o último dia de sua vida. Maravilhosa! Não sei o que é ter um pai. Mas, sinto saudades do que não vivi.


PATRÍCIA LOPES DE OLIVEIRA
É Escritora


 

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