Patrícia Lopes de Oliveira escreve; “Se prepare para visitar um lugar que você nunca vai esquecer”

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Lembranças de uma vida
SE PREPARE PARA VISITAR UM LUGAR QUE VOCÊ NUNCA VAI ESQUECER


Das viagens que fiz com minha mãe e meus irmãos, uma ficou num lugar muito especial. Passado alguns meses da morte de meu pai, minha mãe resolveu nos levar para conhecer alguns lugares.

A tristeza visitava nossos dias de diversas formas. A ausência repentina de alguém que amamos já é muito difícil. Na infância então, toma outras proporções.

A notícia da viagem animou nossos corações. Fomos a São Paulo, visitamos parentes e vários pontos turísticos. Lembro do parque do Ibirapuera, “do Monumento às Bandeiras que fica na área da Praça Armando de Salles Oliveira, e representa os bandeirantes que desbravaram o país no período colonial. Pode-se observar portugueses, negros, mamelucos e índios puxando uma canoa de monções”.

Era tudo uma grande novidade e os olhos brilhavam diante do novo. O coração seguia apertado e o riso era contido. Parecia que não se podia ser feliz em virtude da perda tão recente. Eu olhava a todo momento para o rosto da minha mãe, ladeada de quatro crianças, ela se esforçava além da conta, para nos dar um pouco de alento.
Naquele dia, andamos no maior tobogã do mundo, penso que foi ali que tive noção da palavra medo. Era muito alto, era azul e branco, eu tinha certeza que dali se podia tocar o céu.

Nessa viagem que misturava dor e momentos de alegria, o que mais chamou a minha atenção, não foram os passeios. Eu segurava orgulhosa as mãos de uma mulher forte e determinada a nos deixar felizes. Criança não entende direito as coisas… Entende sim!

Uma manhã fomos para outra cidade, onde morava uma das irmãs do meu pai. Achei o nome curioso, era Taubaté!.

“A origem do nome Taubaté está ligada à denominação de uma tribo de índios guaianás que habitava uma região nas proximidades onde hoje é parcialmente as ruas Capitão Geraldo, Coronel João Afonso, travessa São José e Largo do Chafariz, por nome Taba-Ybate, que significa aldeia (taba) elevada (ybaté)”.

A casa de meus tios, por si só, parecia um enredo repleto de singularidades. Eu, criança atenta, mergulhava em cada detalhe. Queria ver além! Olhava tudo atentamente. A mim me bastava as diferenças, as esquisitices, a excentricidade que tudo parecia envolto.

E dali partimos para lugares inusitados e que fariam qualquer criança feliz. Minha mãe me disse: Vamos ao sítio do pica-pau amarelo.

Meu coração quase salta pela boca. Criança afeita a leitura, meus olhos brilharam, meu coração disparou e pensei: Nossa! vou a casa de Emília!

Não dormi aquela noite, minha mente de criança curiosa fez mil conjecturas. O que eu iria dizer para Tia Nastácia, tio Barnabé, para dona Benta, para o Visconde de Sabugosa, para a espivetada Emília? E para Pedrinho e Narizinho? Para o Marques de Rabicó, para o Saci, o Jeca tatu e a Cuca…eram tantos. Ahhh… Que sensação boa eu senti naquela manhã de fevereiro. Uma coisa era certa, eu queria convidá-los para irem a minha casa. Então fiz anotações e mapas, coloquei meu endereço e desenhei como chegar da estação a minha casa.

Escrevi emocionada: Minha casa é pertinho da estação, mas mesmo assim vou esperá-los. E penso que esperei a vida toda. Mas, sei que sempre estiveram aqui, nos livros que estavam na estante e no meu coração . Era a literatura infantil de minha infância.

Quando amanheceu, minha mãe notou minha inquietação. E me disse: Se prepare para visitar um lugar que você nunca irá esquecer. Ela tinha razão!

Minha mãe dizia que eu era a menina que inventava palavras. Cada coisa que eu ia contar pra ela, eu enfeitava com milhares de adjetivos. Queria deixar mais bonito! Queria visitar seu coração com alegria. Ela merecia meu cuidado! Imagine, uma mãe que leva os filhos para conhecer o sítio do pica-pau amarelo. Ela não pensou em uma praia! Ela pensou em nos levar para um lugar especial, cheio de encantamento, de magia. Ela pensou em um lugar que poderíamos transitar entre a imaginação e a realidade. E que ficaria para sempre em nossas memórias.

Quando chegamos ao sítio naquela manhã, antes de atravessar aquele espaço entre a entrada e o casarão, olhei devotamente dentro dos olhos de minha mãe. A dor da perda de meu pai estava ali tão presente, seus olhos estavam marejados, cansados de tanto chorar. Talvez ela imaginasse, como seria bom se ele estivesse conosco naquela manhã. Ah mãe! apaixonado pela leitura, ele adoraria estar ali. E esteve através dos nossos olhos e do sentimento que nos tocava delicadamente. Quando minha mãe soltou as minhas mãos, corri para entrar naquele lugar sagrado de minha infância. Corri em direção a um capítulo maravilhoso da minha história. Corri para entrar no mundo de Monteiro Lobato. Corri para adentrar nas reinações de Narizinho e nunca mais sair.

Eu fui uma criança que teve a oportunidade de entrar, literalmente, nas fantasias que circundavam os dias de minha meninice. Se nunca lhe agradeci, verbalmente, por isso minha mãe, o faço agora. Com o coração aninhado nos momentos de amor que nos proporcionou. Uma mulher que na sua simplicidade sabia da importância da literatura. Muito mais que isso, sabia da importância de sonhar…
Obrigada!

Meu olhar te agradeceu um milhão de vezes por aquele dia. Lembro de te abraçar em silêncio com toda minha gratidão. Não havia palavras que expressassem a minha alegria. Eu tive noção do quanto era único aquele momento. Deus me deu momentos especiais. E esses momentos ainda sustentam meus dias.

Mas, era apenas o inicio de nosso dia. Saímos dali e fomos conhecer a Basílica de Aparecida que estava sendo construída. Fomos a igreja, que hoje é a velha, atravessamos uma passarela imensa, até chegar na nova igreja. Tinha muita gente!

Pessoas que caminhavam levadas pela fé. Muitas presenciaram ou viveram verdadeiros milagres e retribuíam indo até lá para agradecer.

Voltei lá algumas vezes, já adulta, igualmente para agradecer. Deus tem intercessores. Nossa Senhora Aparecida nos protege!

Quando voltamos dessa viagem, percebi ao chegar em casa que a dor da saudade ainda persistia. Era muito recente. Percebi que não importa onde você estiver, não passa!

Mas também descobri naqueles dias que havia uma coisa chamada escolha. E que era preciso escolher a vida! Escolher ir em frente. Que havia uma coisa chamada possibilidade. Anos depois descobri que era preciso ir embora para querer voltar. Para poder encerrar ciclos e recomeçar.

E hoje ainda digo: Nossa Senhora Aparecida, obrigada por nos ajudar a pavimentar a estrada de nossos sonhos. Nossa Senhora Aparecida, rogai por nós! Nossa Senhora Aparecida, rogai por nós.

PATRÍCIA LOPES DE OLIVEIRA
Escritora

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