Alergia e intolerância são a mesma coisa? Há diferenças? Médica responde

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O leite é um exemplo notável da diferença entre alergia e intolerância: Na alergia existe uma reacção do sistema imunitário contra proteínas do leite. Na intolerância, o organismo tem dificuldade em digerir o leite devido a uma falta total ou parcial da enzima lactase, responsável pela degradação da lactose (açúcar do leite). Este açúcar passa a ser fermentado pelas bactérias do intestino, dando origem às queixas típicas da intolerância à lactose: mal-estar, náuseas, vómitos, diarreia, flatulência… Ou seja, no caso do leite de vaca, as proteínas provocam a alergia e os açúcares a intolerância!

Apesar das diferenças, a verdade é que nas últimas décadas restringir a ingestão de determinados alimentos tem sido uma realidade para milhões de indivíduos.

Mas porquê? O que se passa afinal? Será que as alergias ou intolerâncias alimentares estão atualmente ‘na moda’ – eis o que a médica Inês Mota tem a dizer.

O que é a alergia alimentar?

A alergia alimentar caracteriza-se por uma reacção que ocorre nos minutos ou poucas horas imediatamente após a ingestão de um determinado alimento ou alimentos relacionados, e que ocorre de forma reprodutível, sempre que ocorre a ingestão do mesmo alimento.

Como a podemos reconhecer?

A alergia manifesta-se por sintomas na pele (manchas ou pápulas pelo corpo com comichão, inchaço localizado, na face por exemplo), sintomas no nariz e olhos (comichão, espirros), sintomas respiratórios (tosse, pieira, dificuldade em respirar), vómitos ou diarreia imediatos à ingestão. As reacções de maior gravidade podem traduzir-se em sensação de aperto na garganta e sufocação, tonturas e desmaio por colapso cardiovascular, que podem conduzir a desfechos fatais, quando não são atempada e adequadamente tratadas.

Intolerância e alergia são sinónimos?

Não! A intolerância consiste numa perturbação ao nível dos processos digestivos que resultam na absorção dos nutrientes dos alimentos. A dificuldade em digerir o alimento de forma favorável pode ocorrer, por exemplo, por diminuição de enzimas necessárias ao processo da digestão, como acontece na intolerância à lactose. A intolerância manifesta-se por queixas habitualmente digestivas, como sensação de enfartamento, desconforto ou dor abdominal tipo cólica, distensão abdominal e pode resultar em diarreia. Ao contrário da alergia, a intolerância não representa uma situação com perigo de vida.

Porque surgem alergias?

A tendência para desenvolver alergia traduz uma predisposição individual e resulta da interacção de vários factores. Entre eles, destacam-se os antecedentes de alergia dos nossos pais ou irmãos, a interacção com o meio ambiente, a exposição a alergénios, o ambiente microbiano (externo e interno), bem como os hábitos alimentares. Todos estes factores concorrem para a existência de um estado de equilíbrio do nosso sistema imunológico, entre tolerância e reatividade. A alergia trata-se de um desvio, desse equilíbrio, no sentido da reatividade exagerada a algo que devia ser reconhecido como ‘inofensivo’. O sistema imunológico reconhece um determinado alimento como ‘indesejado’, após uma exposição inicial, e reproduz essa ‘rejeição’ num contacto posterior. O desenvolvimento da alergia é, por isso, uma situação imprevisível no tempo.

São doenças que afetam sobretudo as crianças?

As alergias podem surgir em qualquer idade, desde os primeiros dias ou semanas de vida de um bebé – alimentado exclusivamente com leite – ou mais tarde, durante a idade adulta. Qualquer pessoa pode desenvolver alergia, de forma inesperada, ao longo da sua vida, a um alimento que anteriormente, durante vários anos, sempre ingeriu sem sintomas. Significa que ocorreu um desvio, do equilíbrio imunológico que assegura a tolerância, no sentido da reatividade, passando o alimento a ser reconhecido como ‘indesejado’.

A ingestão regular dos alimentos facilita que o nosso sistema imunológico se mantenha tolerante. A ingestão esporádica ou a interrupção da ingestão de um alimento, durante um período prolongado, pode originar um estado de ‘amnésia’ imunológica em relação àquele alimento, com perda de tolerância e consequente desenvolvimento de alergia. E isto pode acontecer em qualquer idade…

Estas alergias são frequentes?

A alergia alimentar afecta até 10% das crianças e 5% dos adultos e constitui uma realidade com um impacto crescente, em frequência e gravidade, em todos os grupos etários. As alergias são uma condição, efectivamente, emergente nos últimos anos. Este aumento de incidência permitiu uma maior consciencialização sobre as suas implicações e gravidade. O interesse suscitado levou à generalização indevida do conceito de alergia, em sobreposição ao de intolerância, e à proliferação dos ‘testes de intolerância alimentar’ de acesso cada vez mais difundido. Estes testes, realizados sem orientação médica, originam resultados sem utilidade diagnóstica e que conduzem a restrições dietéticas desadequadas.

Como é que se chega ao diagnóstico? 

O diagnóstico das alergias deve ser feito por um médico especialista em Imunoalergologia, com base num conjunto de sintomas consistentes e sugestivos de alergia, e com recurso à realização de testes cutâneos, análises de sangue direccionadas para detectar anticorpos específicos de alergia (IgE) e provas de provocação hospitalares.

E como devemos abordar as alergias alimentares?

As restrições alimentares devem ser feitas após identificação rigorosa dos alimentos causadores de alergia e não baseadas na presunção de alimentos “nocivos” para a saúde (como o glúten ou os lacticínios). Os alimentos devem ser retirados da alimentação apenas se houver sintomas associados à sua ingestão. E devemos saber o que fazer no caso de ocorrer uma ingestão acidental que até pode passar pelo uso de ‘canetas de adrenalina’.

As alergias, dependendo do alimento e da idade em que surgem, podem ser transitórias ou persistentes. As alergias alimentares que surgem na infância, particularmente ao leite de vaca, ovo, peixe e cereais, tendem a ser transitórias e podem ser ultrapassadas de forma espontânea na maioria dos casos. Nos restantes casos, em que a alergia assume formas mais persistentes e graves, existem procedimentos médicos especializados que permitem modificar o limiar de reatividade e reintroduzir o alimento com segurança. No caso da alergia ao marisco, frutos secos e frutas, que surgem habitualmente mais tarde, tendem a ser alergias habitualmente duradouras.

E é importante saber que existem atualmente hipóteses, para alguma destas, de realizar tratamentos médicos para as modificar, aumentando a tolerância à ingestão de alimentos a que se é alérgico e, assim, melhorando a qualidade de vida destes doentes.

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